Alexandre Fontes da Fonseca
Instituto de Física da Universidade de
São Paulo, São Paulo, S.P.
Um pesquisador japonês, Dr. Masaru Emoto, afirma ter provado que
pensamentos e sentimentos interferem na realidade física. Ele diz que a
estrutura cristalina da água é afetada pela “energia de vibração” de
pensamentos, atos, e até mesmo de palavras e músicas [1,2].
Segundo Kardec (em nota de rodapé relativa à resposta dos espíritos à
questão número 33 de O Livro dos Espíritos [3]), uma ação
magnética dirigida pela vontade faz com que uma determinada porção de água se
torne fluidificada. Nesse processo, a água adquire propriedades
diferentes das que possui em seu estado normal, chegando ao ponto de servir
como medicamento no tratamento de várias enfermidades. Portanto, não está em
questão a nossa certeza, como espíritas, de que a água absorve os
fluidos espirituais ambientes ou direcionados a ela. Questionamos a afirmativa
de que “o fenômeno de absorção de fluidos pela água foi provado
cientificamente”. Isso não corresponde à verdade conforme veremos adiante.
Os seus defensores baseiam-se no trabalho de pesquisa do Dr. Masaru Emoto [1]
que tem chamado a atenção de muitos irmãos nossos, no movimento espírita,
chegando a ter destaque na “homepage” de grupos espíritas de grande prestígio.
Segundo Emoto [1], ao emitirmos pensamentos e sentimentos para uma
amostra de água; ao submetermos uma porção de água a um tipo de vibração sonora
ou música; ou, ainda, se uma etiqueta com uma determinada palavra for colada
num frasco contendo água, então ela absorverá um tipo de “energia” associada ao
valor, moral, do pensamento, som ou palavra que foi submetida a ela. Isso seria
verificado através do processo de cristalização onde as moléculas de água, ao
passarem do estado líquido para o estado sólido, formam estruturas
tridimensionais bem definidas, como na formação dos minúsculos flocos de neve.
Assim, amostras submetidas a pensamentos, sons ou palavras harmoniosas, formam
figuras cristalinas simétricas e muito bonitas (veja “homepage” da
referência [2]). Em caso contrário, obtém-se formas amorfas, sem nenhuma
regularidade, possuindo um aspecto desagradável ao olhar [2].
Não somos nós os únicos a questionar a cientificidade dessa pesquisa.
Citamos uma referência que critica esses resultados. Se trata de uma “homepage”
intitulada “Lendas e Pseudociência” [4]. Os seus autores afirmam que “os
experimentos do Dr. Emoto não tem respaldo na ciência nem na racionalidade, mas
no misticismo. Eles pertencem àquilo que se chama de pseudociência ou
não-ciência.” Em outras palavras, isso quer dizer que a pesquisa do Dr.
Emoto não satisfaz os caracteres de universalidade e reprodutibilidade comuns
aos fenômenos científicos. Além disso, eles alertam que algumas pessoas, mal
informadas, podem ser induzidas a “rotular, com palavras amáveis, água de má
qualidade e passar a usá-la na cozinha, para beber ...”
[4]. Apesar do Dr. Emoto não sugerir essa aplicação, não há como
garantir que isso não possa ocorrer.
Para que não fique dúvida sobre a precipitação em considerar
cientificamente divulgado e comprovado os resultados do Dr. Emoto, enviamos-lhe
um e-mail perguntando se foi publicado algum artigo científico, sobre o
assunto, em revista científica internacional. Sua secretária respondeu ao nosso
e-mail de forma muito amável e respeitosa, concordando sobre a importância de
uma publicação realmente científica e afirmou que, de fato, o Dr. Emoto ainda
não houvera feito uma tal publicação. Por essa razão, não podemos
considerar que os resultados sobre a relação entre os cristais de água e os
sentimentos e pensamentos foram comprovados cientificamente.
De modo a esclarecer o leitor leigo em ciência, uma pesquisa que envolva
assunto ligado a qualquer disciplina científica só pode ser considerada
como cientificamente comprovada quando a comunidade científica
tiver reproduzido a experiência, obtendo os mesmos resultados, e analisado, de
forma crítica, todos os métodos e argumentos utilizados. Para isso, tais
resultados precisam ser publicados nos periódicos científicos para que a
comunidade científica tome conhecimento deles e possa lê-los, avaliá-los e reproduzi-los,
de acordo com o método científico. Além disso, antes de ser publicado em uma
revista científica, um artigo passa pela análise de um parecerista que faz uma
primeira análise crítica. É por essa razão que uma publicação em revista
científica é considerada um verdadeiro primeiro passo para
obter-se uma comprovação científica de qualquer pesquisa*.
Uma outra ordem de argumentos cabe aqui. Podemos e devemos aplicar o
critério do bom-senso aos resultados das pesquisas sobre a
água. Sabemos, como espíritas, que a água absorve fluidos espirituais. Mas como
uma palavra, escrita em um rótulo, transferiria fluidos para a água dentro do
frasco? Imaginem o seguinte exemplo: considere a palavra MORTE. Para alguns ela
é algo terrível, que produz sentimentos de medo, insufla idéias de horror, etc.
Em certas culturas, porém, a palavra MORTE tem outro significado. Ela
significa libertação, volta para “casa” e, de fato, com o Espiritismo,
entendemos que a morte é a libertação do Espírito dos laços materiais; a morte
é o retorno à Pátria Espiritual; o reencontro com os entes queridos.
Considere, também, o exemplo do nome HITLER(utilizado por Emoto [1]).
Para a maioria das pessoas, esse nome lembra os atos terríveis praticados
contra seres humanos. Porém, existem várias pessoas, hoje, que têm a palavra
Hitler como nome ou sobrenome e, nem por isso, elas são ruins. Neste ponto,
vemos que está ocorrendo uma inversão de valores: a forma está sendo
tomada pelo fundo; o efeito pela causa. Isto pois, as características de
uma pessoa não são determinadas pelo nome que ela recebe ao nascer e, sim,
pelas virtudes e imperfeições que o seu Espírito tenha, isto é, seu estado
evolutivo. Assim, é bem possível que exista uma pessoa de nome Hitler que seja
bondosa, amada e querida por familiares e amigos. Portanto, o nome HITLER
escrito no rótulo de uma amostra de água não terá efeito sobre a sua
cristalização porque esse conjunto de letras não tem valor se uma mente não
lê-las. Uma “vibração” só existirá quando uma pessoa interpretar a palavra e
“vibrar” de acordo com os sentimentos dessa interpretação. Se a mãe de um jovem
chamado Hitler ler o nome HITLER, não há dúvidas de que ela vai vibrar amor.
Assim, a conclusão de que uma palavra estampada num rótulo tem o poder de
influenciar as moléculas de água é ilógica segundo os princípios espíritas e
isso pode ser usado pela crítica.
Em conclusão, a afirmativa de que os sentimentos e pensamentos
(“vibrações”) afetam a estrutura cristalina da água não pode ser
considerada como cientificamente comprovada a partir, apenas, dos
livros do Dr. Emoto. Isso não significa que a água não possa absorver fluidos
espirituais. Apenas não se pode considerar que a Ciência comprovou o fenômeno.
O movimento espírita deve, portanto, receber essas notícias com bastante
prevenção e prudência. Respeitamos essas pesquisas e quem as divulga mas
aguardamos maiores comprovações antes de sairmos por aí anunciando os seus
resultados. Quanto ao Dr. Masaru Emoto, respeitamos seus nobres objetivos,
principalmente na área ecológica, em luta pela preservação da água potável no
planeta. Porém, suas pesquisas precisam ser publicadas em revistas científicas
para que elas possam ser discutidas e reproduzidas pelos cientistas do mundo
inteiro e para que elas possam receber o respeito científico que elas merecem.
Uma ressalva deve ser feita. Existem outras pesquisas sobre os efeitos
da fluidificação da água sendo realizadas tanto no Brasil quanto no exterior.
Porém não temos notícias de publicações em revistas científicas internacionais
e indexadas. Existem divulgações em “homepages”, como o artigo da referência
[5], que, infelizmente, apesar de apresentar uma interessante metodologia, não
pode ser considerado como científicamente comprovado, pelas mesmas razões acima
expostas. Porém, pretendemos fazer uma pesquisa mais ampla na literatura
espírita e espiritualista em busca de mais referências.
Por outro lado, existem pesquisas puramente materiais muito
interessantes sobre a água [6]. Quem quer que deseje buscar comprovações
científicas para os efeitos fluidicos e espirituais sobre a água deve levar em
conta os trabalhos de pesquisa como os das referências [5,6] como fonte de
informação e sugestão de modelo de trabalho.
Nunca é demais repetir as palavras do espírito de Erasto (Revista
Espírita [7]): é preferível “rejeitar 10 verdades do que aceitar uma só
mentira”. Notem que é muito mais difícil corrigir uma mentira depois de aceita
do que vir a aceitar uma verdade previamente negada.
PUBLICADO NO JORNAL ALAVANCA 489 DE
JANEIRO DE 2004, PÁGINA 3.
Referências
[1] M. Emoto, The Message from Water, Vol. I, Ed. Hado
Kyoiku Sha, (1999).
[3] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, FEB, 76a. Edição
(1995).
[5] M. M. C. Oliveira e J. B. Filho, http://members.tripod.com/bioenergia0/agua01.htm
[6] M. E. G. Porto, Dissertação de Mestrado, UNICAMP, (1998).
[7] A. Kardec, Revista Espírita 8, p.257, (1861).
Nota de rodapé
* - As revistas espíritas teriam muito a ganhar realizando a análise não
só doutrinária mas, também, técnica dos artigos submetidos para publicação.
Isso poderia ser feito através de pareceristas especialistas na subárea
relacionada ao tema do artigo.
Comentários –
Concordamos com o autor e acrescentando que o Dr. Masaru Emoto nasceu em
Yokohama, Japão, em 1943 e morreu em 2014 na cidade de Tóquio. David Luca
Saber mais em
:
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