AS CRIANÇAS ÍNDIGO E MOVIMENTO ESPÍRITA
Autora DORA INCONTRI
Como explicar a adesão de
lideranças e instituições espíritas a uma tese tão absurda?
A entrada livre do movimento índigo dentro do
movimento espírita brasileiro revela apenas o que os espíritas conscientes já
sabem (e estes infelizmente são em muito pequeno número): nosso movimento anda
longe da trilha proposta por Kardec. Entenda-se que não tomamos aqui essa
trilha como um conjunto de dogmas fixos, como um sistema fechado de pensamento.
O espiritismo – como queria Kardec – deve estar inserido no mundo, na cultura
de seu tempo, deve dialogar com outras correntes de pensamento, deve continuar
seu caminho de ciência e de pesquisa.
Mas para isto
é preciso um método. A principal contribuição de Kardec foi a criação de um
método de abordagem da realidade, que inclui a observação científica, a
reflexão filosófica e a revelação espiritual. Esses três caminhos convergem na
busca da verdade e um elemento controla o outro. Não se pode aceitar cegamente
o que vem pela revelação mediúnica – é preciso passá-la pelo crivo da razão e
pela análise do método científico. Aliás, somos nós, encarnados, que fazemos a
ciência, e não os Espíritos, que vêm apenas nos intuir, nos ajudar, sobretudo
no plano moral. Uma ciência que supostamente nos viesse pronta do Além já
deveria ser motivo de desconfiança e é própria de Espíritos
pseudo-sábios.
No caso de
Lee Carrol, Jan Tober e o Espírito de Kryon (que a tradução brasileira mudou para
médium Kryon, quando se trata de um Espírito que se afirma extraterrestre e o
Espírito mais próximo de Deus!), defrontamo-nos com uma grande mistificação,
com fins comerciais, sem nenhuma racionalidade, sem nenhum critério
científico... e os espíritas embarcaram gostosamente na idéia. Por quê?
Alguns
certamente o fizeram de boa-fé, outros com claros interesses financeiros,
porque se trata de um tema vendável, na linha de auto-ajuda descompromissada,
aquela que agrada ao leitor, por trazer receitinhas prontas de como tratar um
filho índigo – e muitos podem se iludir no orgulho de ter um filho de aura
azul, predestinado a mudar o mundo, um mutante genético!
Os que
aceitaram a idéia de boa-fé não são menos desculpáveis, principalmente em se
tratando de lideranças, formadoras de opinião, que publicam livros, fazem
palestras, porque deveriam ter a responsabilidade ética e intelectual de falar
apenas sobre aquilo que pesquisaram em profundidade e manifestarem uma opinião
abalizada sobre o assunto. Aos que fazem publicações com fins comerciais, não
temos o que dizer. Kardec advertia que contra interesses não há fatos que
prevaleçam.
É preciso
esclarecer bem o que criticamos na questão de fins comerciais, pois temos
também uma editora e podemos ser mal interpretados. É óbvio que o setor
editorial espírita precisa ser profissional, movimentar dinheiro, contratar
pessoas, trabalhar na base do profissionalismo e não do amadorismo. Isto também
vale para uma escola, uma universidade, um empreendimento qualquer que leve o
nome de espírita. Ou seja, temos pleno direito ético de vender um livro
espírita (porque senão não podemos publicar outros), de cobrar um curso ou um
congresso, para cobrir os custos e, inclusive, para reinvestirmos na própria
divulgação do espiritismo. O que criticamos, que é próprio da
mentalidade capitalista, é quando passamos o lucro na frente do ideal. Ou
seja, quando traímos os princípios da doutrina espírita, publicamos qualquer
coisa, para ganhar dinheiro, fazemos qualquer negócio, para obter dividendos e
buscamos com isso enriquecimento pessoal.
É isso o que
o capitalismo preconiza: lucro acima de tudo e princípios éticos totalmente
descartáveis e secundários. A qualidade de um produto, as responsabilidades
social, ideológica, moral ficam subordinadas ao desejo de venda fácil. As
editoras espíritas que trabalham seriamente, com cultura e livros de conteúdo,
sabem o quanto é preciso se sacrificar para manter bem alto o ideal!
A falta do espírito crítico
O outro
aspecto comprometedor que afasta o movimento espírita do rumo de Kardec é a
ausência de criticidade, debates e exame livre das questões. Quando surgem às
vezes alguns críticos, cometem o deslize que discutir pessoas, ao invés de
discutir idéias. Mas a grande maioria, acostumada à cultura do “brasileiro
cordial”, acrescida pelo estereótipo de “espírita caridoso”, não está habituada
a nenhum exercício de crítica construtiva. Considera-se que crítica é falta de
caridade.
Ora, Kardec,
nos 12 volumes da Revista Espírita, estabelecia um debate eloqüente, ardido e,
muitas vezes, usando aquele fino espírito francês de ironia, para colocar-se
ante adversários e para esclarecer questões polêmicas. Não que transformasse as
páginas da Revista em arena de combate, mas não deixava de exercitar o saudável
espírito da análise crítica, inclusive como instrumento de construção do
conhecimento espírita.
Todos os
grandes pensadores agiram assim. Basta lembrar Sócrates, com sua fina ironia,
debatendo com os sofistas; basta rememorar Descartes, com seu método racionalista,
desmontando a teologia jesuítica. Toda a história do pensamento humano
constitui-se no debate de idéias.
Quando a
discussão é implicitamente proibida, cria-se o autoritarismo disfarçado, a
idolatria por líderes, que passam a pontificar sem nenhum questionamento,
dominando as consciências, e não há progresso e nem liberdade de
pensamento.
É isso o que
se vê no meio espírita atualmente. Qualquer pessoa pode publicar, falar,
pontificar o que for, e ninguém rebate uma vírgula, ninguém faz uma objeção. Por
isso, multiplicam-se os absurdos e estamos imersos numa avalanche de
frivolidades.
Enquanto não
aprendermos a debater sem melindres, a discutir idéias sem paixões pessoais, a
criticar construtivamente e a exercitar o livre-exame (que já Lutero propunha
há 500 anos), não teremos um movimento espírita esclarecido e progressista, que
não engula mistificações tão grosseiras como essa das crianças índigo.
Obviamente que só é possível criticar construtivamente a partir de um
conhecimento aprofundado das questões. Para isso, é preciso estudar Kardec e
procurar sempre ampliar o horizonte cultural.
[Jornal da
Associação Brasileira de Pedagogia Espírita - Junho 2007.]
Extraído
de https://sites.google.com/site/aderj2/torre-de-vigia-doutrinaria/dora-incontri/o-movimento-espirita-e-as-criancas-indigo
A falta do espírito crítico
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