quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Companheiros Perfeitos



Juarez Barbosa Perissé

    Quando Márcia encontrou a Doutrina Espírita sentiu-se renovada. Ali estava, pensou ela, a resposta para todas as suas perguntas, as dúvidas que haviam lhe acompanhado durante anos não resistiam à lógica simples das respostas de “O Livro dos Espíritos”.
    Passou a frequentar a Casa Espírita desejando recuperar o tempo que considerava perdido, e como era uma pessoa muito dinâmica, logo passou a integrar o grupo de trabalhadores daquela pequena Casa. Um grupo pequeno porque sempre são escassos os trabalhadores.
     A princípio via em seus companheiros, modelos de perfeição. Com o tempo, porém, começou a perceber que um deles, o Antônio “livreiro”, irritava-se profundamente por causas sem importância. Uma outra médium, D. conceição, participante assídua das reuniões de desobsessão, trabalhadora da Casa desde sua fundação há 20 anos, vivia em conflito com o Sr. Amadeu, responsável pelo Departamento de Patrimônio. Ora ela criava dificuldades para o desenvolvimento do trabalho do dirigente, ora ele era quem estabelecia regras estranhas de difícil compreensão. E lá ia a D. Conceição falar dele para quem quisesse ouvir.
    Um a um, os participantes do grupo iam desfilando em sua mente e cada um apresentava determinado defeito. Márcia verificou que a harmonia perfeita que acreditava existir naquele grupo não era tão generalizada como acreditou no início. E ao pensar assim, começou a ser procurada continuamente por Dirceu, antigo freqüentador da Casa que sempre lhe trazia “novidades sobre os trabalhos e os trabalhadores. Era uma pessoa que deixava as salas desorganizadas, ou um orador que não conseguia prender a atenção da assistência que começava a crescer nos salões daquela Casa, ou uma pessoa que vinha em busca de auxílio e que não era bem tratada. Enfim, sempre uma reclamação acerca dos trabalhos lá desenvolvidos. Tanto ouviu, tanto falou, que Márcia tornou-se uma critica severa de tudo o que envolvia. O entusiasmo inicial deu lugar a uma presença azeda, sempre pronta a observar o erro. Afinal, pensava: “Como pessoas que participam do trabalho há tantos anos, podem cometer tantos erros?”
    E assim seguiu, em meio as suas dúvidas questionando mais do que trabalhando se constituindo mais num verme roedor do que numa abelha laboriosa. Em certa tarde morna de primavera, passando diante da Casa, viu o Sr. Cláudio, presidente da instituição, que se encontrava varrendo o quintal, e que a recebeu com carinho. E ela falou, falou muito, eram informações verdadeiras e falsas, antigas e recentes, não importava, ela queria dividir tudo aquilo que passou a conhecer e que considerava a mais pura verdade. Os minutos que passavam e viraram uma hora. Quando ela parou, esperava uma expressão de surpresa do “calejado” presidente, ou, ao menos, um comentário de encorajamento às suas reclamações, mas nada disso aconteceu. Ele, já acostumado a tudo isso, tendo trabalhado com grupos humanos desde há muitos anos, tendo atravessado muitas crises, simplesmente sorria compreensivo.
    Após alguns segundos que pareceram séculos para a moça, ele disse: “Eu entendo a sua aflição porque já a senti. Durante anos busquei a perfeição nos companheiros de trabalho, foram anos de conflitos e aflições. Ora a decepção me arrasava o coração, ora o desânimo paralisava as minhas mãos, e, quando errava numa avaliação, vinha o remorso abrasar a minha mente. Cheguei ao ponto de não mais perceber as virtudes das pessoas porque seus erros, na minha visão, eram gigantescos. Frequentei vários grupos espíritas nesta busca. Nunca pensei em me afastar da Doutrina Espírita porque eu a percebia, no imo de minha alma, como a resposta às aflições humanas. Decidi, então, há 20 anos, fundar este pequeno grupo. Deus, nossos amigos espirituais, e, em particular, o bondoso Dias da Cruz abençoaram o esforço, e o grupinho começou a crescer. Eu pensava em formar um grupo perfeito, de acordo com os meus moldes, mas as dificuldades internas começaram a surgir, minando os trabalhos que surgiram tão promissores.
    Um dia, profundamente entristecido, após verificar que mais uma das nossas atividades corria riscos de ser suspensa fui até o fundo do salão de palestras e orei, orei tão profundamente que me senti envolvido por um doce torpor, e uma vez ressoou dentro de mim: “Cláudio, por quê te lamentas tanto? O que esperas das pessoas que trabalham contigo? São todos candidatos ao Bem, não são bons ainda, não venceram a batalha. Tu podes e deves ajudá-los, mas não basta apontar erros, tocar em suas feridas, você tem que estimular as virtudes, ressaltar os seus acertos. Não se consegue desenvolver uma horta que vai alimentar a muitas pessoas, sufocando as tenras plantinhas, sob a alegação de que se deseja exterminar as ervas daninhas. Pensa nisso! Mesmo Jesus, nosso Mestre Amorável, não contou com um grupo perfeito na sua passagem pela Terra...”.
    “O torpor foi passando e me vi só. Olhei para a grande mesa lá na frente, andei pelas dependências da Casa e passei a ver, no Centro, uma horta a qual tantas vezes sufoquei boas disposições de trabalho, na minha ânsia de perfeição. Questionei que tipo de agricultor era eu, que preocupado com as ervas daninhas, tinha perdido a capacidade de estimular o crescimento das tenras mudinhas que via surgir naquela amada horta, precisando de ajuda para crescer. Mudei, então, a minha postura diante dos conflitos, passei a ouvir e ver as pessoas procurando seu lado bom, os pontos positivos da situação. Desta forma, vi os trabalhos florescerem, e muitas pessoas serem ajudadas, como você foi. E claro que dificuldades surgem, mas a essência da Doutrina, esta nunca poderá ser violada e estamos atentos para isso”. E olhando dentro dos olhos da dinâmica trabalhadora, disse: “Márcia, eu aprendi naquele momento que devo buscar construir a perfeição dentro de mim e não nas pessoas que me envolve. E quanto mais eu luto neste sentido, mais eu consigo compreender as dificuldades alheias e posso assim ajudar. Não podemos nunca confundir a Doutrina Espírita com as pessoas que freqüentam ou trabalham nas Casas Espíritas”.
    A moça ficou ainda alguns minutos absorta em seus pensamentos após a despedida do presidente que iria dirigir a reunião da noite. Muitas imagens passavam, muitas estórias, e ela foi se dando conta que o velho presidente estava repleto de razão. Mais surpresa ficou quando, abrindo seu exemplar de o livro dos Espíritos ao acaso, leu na nota explicativa da pergunta 918: “Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica lei de justiça, amor e caridade, na sua maior pureza. Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém tem motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o que desejara que lhe fizessem”.

    Fechou o livro e foi caminhando lentamente para casa pensando em como é facial nos perdermos na estrada, se não nos mantivermos vigilantes. Levantou os olhos para o céu, e numa prece muda agradeceu a Deus a oportunidade de poder trabalhar. Dali em diante, toda vez que era procurada por alguém trazendo alguma “novidade”, buscava apontar um ângulo positivo do assunto, e muitas vezes sorria, lembrando aquela tarde morna de primavera diante do experiente companheiro de trabalho.           
 Fonte: Correio Fraterno do ABC, outubro de 1994, pág. 06


Comentário-Ótimo artigo que ilustra a necessidade de no trabalho de Jesus não buscar um Centro com irmãos perfeitos.Pois somos espíritos imortais em processo  da reencarnação graças a bondade de Deus. Que nos dá oportunidades para atingir a felicidade plena.
David Luca

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