Juarez Barbosa
Perissé
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Quando Márcia encontrou a Doutrina Espírita sentiu-se renovada. Ali estava,
pensou ela, a resposta para todas as suas perguntas, as dúvidas que haviam lhe
acompanhado durante anos não resistiam à lógica simples das respostas de “O
Livro dos Espíritos”.
Passou a frequentar a Casa Espírita desejando recuperar o tempo que considerava
perdido, e como era uma pessoa muito dinâmica, logo passou a integrar o grupo
de trabalhadores daquela pequena Casa. Um grupo pequeno porque sempre são
escassos os trabalhadores.
A princípio via em seus companheiros, modelos de perfeição. Com o tempo, porém,
começou a perceber que um deles, o Antônio “livreiro”, irritava-se
profundamente por causas sem importância. Uma outra médium, D. conceição,
participante assídua das reuniões de desobsessão, trabalhadora da Casa desde
sua fundação há 20 anos, vivia em conflito com o Sr. Amadeu, responsável pelo
Departamento de Patrimônio. Ora ela criava dificuldades para o desenvolvimento
do trabalho do dirigente, ora ele era quem estabelecia regras estranhas de
difícil compreensão. E lá ia a D. Conceição falar dele para quem quisesse
ouvir.
Um a um, os participantes do grupo iam desfilando em sua mente e cada um
apresentava determinado defeito. Márcia verificou que a harmonia perfeita que
acreditava existir naquele grupo não era tão generalizada como acreditou no
início. E ao pensar assim, começou a ser procurada continuamente por Dirceu,
antigo freqüentador da Casa que sempre lhe trazia “novidades sobre os trabalhos
e os trabalhadores. Era uma pessoa que deixava as salas desorganizadas, ou um
orador que não conseguia prender a atenção da assistência que começava a
crescer nos salões daquela Casa, ou uma pessoa que vinha em busca de auxílio e
que não era bem tratada. Enfim, sempre uma reclamação acerca dos trabalhos lá
desenvolvidos. Tanto ouviu, tanto falou, que Márcia tornou-se uma critica
severa de tudo o que envolvia. O entusiasmo inicial deu lugar a uma presença
azeda, sempre pronta a observar o erro. Afinal, pensava: “Como pessoas que
participam do trabalho há tantos anos, podem cometer tantos erros?”
E assim seguiu, em meio as suas dúvidas questionando mais do que trabalhando se
constituindo mais num verme roedor do que numa abelha laboriosa. Em certa tarde
morna de primavera, passando diante da Casa, viu o Sr. Cláudio, presidente da
instituição, que se encontrava varrendo o quintal, e que a recebeu com carinho.
E ela falou, falou muito, eram informações verdadeiras e falsas, antigas e
recentes, não importava, ela queria dividir tudo aquilo que passou a conhecer e
que considerava a mais pura verdade. Os minutos que passavam e viraram uma
hora. Quando ela parou, esperava uma expressão de surpresa do “calejado”
presidente, ou, ao menos, um comentário de encorajamento às suas reclamações,
mas nada disso aconteceu. Ele, já acostumado a tudo isso, tendo trabalhado com
grupos humanos desde há muitos anos, tendo atravessado muitas crises,
simplesmente sorria compreensivo.
Após alguns segundos que pareceram séculos para a moça, ele disse: “Eu entendo
a sua aflição porque já a senti. Durante anos busquei a perfeição nos
companheiros de trabalho, foram anos de conflitos e aflições. Ora a decepção me
arrasava o coração, ora o desânimo paralisava as minhas mãos, e, quando errava
numa avaliação, vinha o remorso abrasar a minha mente. Cheguei ao ponto de não
mais perceber as virtudes das pessoas porque seus erros, na minha visão, eram
gigantescos. Frequentei vários grupos espíritas nesta busca. Nunca pensei em me
afastar da Doutrina Espírita porque eu a percebia, no imo de minha alma, como a
resposta às aflições humanas. Decidi, então, há 20 anos, fundar este pequeno
grupo. Deus, nossos amigos espirituais, e, em particular, o bondoso Dias da
Cruz abençoaram o esforço, e o grupinho começou a crescer. Eu pensava em formar
um grupo perfeito, de acordo com os meus moldes, mas as dificuldades internas
começaram a surgir, minando os trabalhos que surgiram tão promissores.
Um dia, profundamente entristecido, após verificar que mais uma das nossas
atividades corria riscos de ser suspensa fui até o fundo do salão de palestras
e orei, orei tão profundamente que me senti envolvido por um doce torpor, e uma
vez ressoou dentro de mim: “Cláudio, por quê te lamentas tanto? O que esperas
das pessoas que trabalham contigo? São todos candidatos ao Bem, não são bons
ainda, não venceram a batalha. Tu podes e deves ajudá-los, mas não basta
apontar erros, tocar em suas feridas, você tem que estimular as virtudes,
ressaltar os seus acertos. Não se consegue desenvolver uma horta que vai
alimentar a muitas pessoas, sufocando as tenras plantinhas, sob a alegação de
que se deseja exterminar as ervas daninhas. Pensa nisso! Mesmo Jesus, nosso
Mestre Amorável, não contou com um grupo perfeito na sua passagem pela
Terra...”.
“O torpor foi passando e me vi só. Olhei para a grande mesa lá na frente, andei
pelas dependências da Casa e passei a ver, no Centro, uma horta a qual tantas
vezes sufoquei boas disposições de trabalho, na minha ânsia de perfeição.
Questionei que tipo de agricultor era eu, que preocupado com as ervas daninhas,
tinha perdido a capacidade de estimular o crescimento das tenras mudinhas que
via surgir naquela amada horta, precisando de ajuda para crescer. Mudei, então,
a minha postura diante dos conflitos, passei a ouvir e ver as pessoas
procurando seu lado bom, os pontos positivos da situação. Desta forma, vi os
trabalhos florescerem, e muitas pessoas serem ajudadas, como você foi. E claro
que dificuldades surgem, mas a essência da Doutrina, esta nunca poderá ser
violada e estamos atentos para isso”. E olhando dentro dos olhos da dinâmica
trabalhadora, disse: “Márcia, eu aprendi naquele momento que devo buscar
construir a perfeição dentro de mim e não nas pessoas que me envolve. E quanto
mais eu luto neste sentido, mais eu consigo compreender as dificuldades alheias
e posso assim ajudar. Não podemos nunca confundir a Doutrina Espírita com as
pessoas que freqüentam ou trabalham nas Casas Espíritas”.
A moça ficou ainda alguns minutos absorta em seus pensamentos após a despedida
do presidente que iria dirigir a reunião da noite. Muitas imagens passavam,
muitas estórias, e ela foi se dando conta que o velho presidente estava repleto
de razão. Mais surpresa ficou quando, abrindo seu exemplar de o livro dos
Espíritos ao acaso, leu na nota explicativa da pergunta 918: “Verdadeiramente,
homem de bem é o que pratica lei de justiça, amor e caridade, na sua maior
pureza. Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou
perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez mal, se fez todo o bem que
podia, se ninguém tem motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o
que desejara que lhe fizessem”.
Fechou o livro e foi caminhando lentamente para casa pensando em como é facial
nos perdermos na estrada, se não nos mantivermos vigilantes. Levantou os olhos
para o céu, e numa prece muda agradeceu a Deus a oportunidade de poder trabalhar.
Dali em diante, toda vez que era procurada por alguém trazendo alguma
“novidade”, buscava apontar um ângulo positivo do assunto, e muitas vezes
sorria, lembrando aquela tarde morna de primavera diante do experiente
companheiro de trabalho.
Fonte: Correio Fraterno do ABC, outubro de 1994, pág. 06
Comentário-Ótimo artigo que ilustra a necessidade de no trabalho de Jesus não buscar um Centro com irmãos perfeitos.Pois somos espíritos imortais em processo da reencarnação graças a bondade de Deus. Que nos dá oportunidades para atingir a felicidade plena.
David Luca
Fonte: Correio Fraterno do ABC, outubro de 1994, pág. 06
Comentário-Ótimo artigo que ilustra a necessidade de no trabalho de Jesus não buscar um Centro com irmãos perfeitos.Pois somos espíritos imortais em processo da reencarnação graças a bondade de Deus. Que nos dá oportunidades para atingir a felicidade plena.
David Luca
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